EDUCAÇÃO: NECESSIDADES ESPECIAIS, AUTONOMIA E SUPERPROTEÇÃO
Ter uma deficiência é limitante. Ter um transtorno, muitas vezes também é. Ponto.
Começar a fazer todas as coisas pra criança, aí já é outra questão.Certa vez, eu trabalhei numa instituição que tinha uma criança surda. A criança de 7 anos não sabia comer sozinha, porque a mãe sempre lhe deu a comida na boca.
Agora pensem comigo: Em que a surdez afeta o fato de a criança não poder se alimentar sozinha?
Nada.
Porque isso acontecia?
Por uma coisa que eu costumo chamar de “coitadismo”.Coitadismo é pior do que a superproteção pura e simples. Na superproteção, os pais também fragilizam a criança, impedindo-a de desenvolver-se em muitas áreas.
No coitadismo, a criança tem uma condição que a limita em certa área e a família estende os “cuidados” a todas as outras áreas da vida.
Algumas vezes os filhos se rebelam e se mostram capazes. Mostram que sabem fazer, que podem evoluir. Mas, infelizmente existem casos em que as crianças acabam acreditando nos pais e passam a acreditar na incapacidade que lhes é projetada. Não experimentam, não têm coragem de arriscar.
Aprender é trabalhoso para todos. Para uma criança paraplégica, por exemplo, aprender a se locomover de forma diferente dos demais, com toda certeza é mais trabalhoso. Isso não deve impedi-la de tentar e nem impedir que os pais a incentivem a fazê-lo.
Pais querem proteger e ajudar seus filhos, isso não é um problema. O que acontece é que, muitas vezes, a ajuda vem de forma equivocada e acabam produzindo resultados contrários. Ao invés de incentivar a autonomia e autoconfiança, educa-se para a dependência.
Está mais que provado que crianças precisam experimentar. Mesmo crianças sem nenhuma deficiência, muitas vezes acabam acreditando na sua incapacidade.
“Se minha mãe faz pra mim é porque eu não consigo sozinho!”
Acreditar nisso é uma das piores coisas que pode acontecer com a criança. Quando uma criança acredita ser incapaz, ela não tem o porquê de tentar. Não tenta pela certeza do erro e, não tentando, ela não tem como aprender a fazer.
O aprendizado é assim. Existe o interesse, existe a tentativa e existem os erros a serem concertados na próxima tentativa. Até que se faça o certo.
Não só pais fazem isso. Muitos profissionais o fazem também. Não têm a paciência de esperar o tempo da criança para que ela consiga concluir uma tarefa, ou mesmo antes que ela tente, faz a atividade pra ela só para ter um papel com a atividade pronta.
Já vi muitos professores de Educação Infantil, por exemplo, que colocam a comida na boca de todas as crianças para que elas não se sujem, ou para que acabem logo de comer.
No ensino fundamental, muitas famílias me procuram para avaliar a atenção das crianças. É claro que algumas são devidamente encaminhadas pela escola, outros profissionais e mesmo pelos pais preocupados com a situação dos filhos e que realmente apresentam comportamentos atípicos com fundamento biológico. Mas, em alguns casos, muitas vezes a criança simplesmente não teve sua atenção treinada.
Todos os nossos comportamentos são aprendidos. Ter atenção para fazer as atividades escolares também se aprende.
Como é possível que uma criança cujos pais e professores não davam tempo ou simplesmente acabavam a atividade para ela (por impaciência, preguiça ou sabe-se lá por que outros motivos) consiga prender sua atenção por um tempo maior para realizar suas tarefas?
Ela não pôde aprender e treinar isso.Eu sou uma psicopedagoga, é lógico que as famílias que me procuram querem ajuda e estão sofrendo com a situação de seus filhos. A família, certamente, só queria ajudar. Mas, não soube como fazê-lo.
Agora, quer ajudar uma criança a se desenvolver bem, tendo ela uma deficiência ou não, sendo neurotípica ou não?
Deixe que ela se arrisque, que se suje, que tente e cometa erros. Não a critique quando errar. Estimule-a a tentar novamente para que melhore da próxima vez. Não a deixe desistir com um primeiro insucesso.
Isso vai deixá-la confiante. Ela vai ter a certeza de que algumas coisas são mais difíceis de conseguir, mas que com esforço e mais tentativas ela pode alcançar êxito.
Ela vai saber lidar de forma positiva com a frustração. Aprende a ser resiliente.
Permita que ela se suje, que brinque no chão, que tenha contato com novas situações. Quando ela se sentir mal por demorar a completar uma tarefa, diga que está tudo bem. Que você a admira por ela ser uma pessoa persistente.
Só se aprende a fazer fazendo.
Permitir que as crianças experimentem , muitas vezes, também é prova de amor.
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